quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O processamento das informações sociais numa amostra de adolescentes agressivos

Silvio José Lemos VasconcellosI; Patrícia PiconII; Gabriel José Chittó GauerIII

IPsicólogo. Mestre em Ciências Criminais, PUCRS, Porto Alegre, RS. Doutorando em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS
IIPsiquiatra. Professora assistente, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Faculdade de Medicina (FAMED), PUCRS, Porto Alegre, RS. Mestre em Epidemiologia, Harvard School of Public Health, Boston, EUA. Doutora em Psiquiatria, UFRGS, Porto Alegre, RS
IIIProfessor adjunto, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, FAMED, PUCRS, e Programa de Mestrado em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, PUCRS, Porto Alegre, RS. Pós-Doutor, University of Maryland, College Park, EUA

Correspondência


RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a tendência em atribuir hostilidade para expressões faciais ambíguas e as respostas geradas para situações de impasse relacionadas ao comportamento agressivo na adolescência. A partir de um estudo transversal, quatro figuras sugerindo ambigüidade em relação às emoções e uma narrativa baseada numa situação hipotética de impasse foram aplicadas numa amostra não-aleatória de 29 adolescentes, privados de liberdade, do sexo masculino, com história de comportamento agressivo, e em um grupo-controle de 21 adolescentes, ambos com idade entre 14 e 16 anos. O Mini International Neuropsychiatric Interview - Brazilian Version 5.0.0 foi utilizado para excluir os casos de psicose. Houve diferença estatística entre os escores relativos à atribuição de hostilidade (t = 6,140; p < r =" -" p =" 0,031).

Descritores: Cognição social, processamento de informações, comportamento agressivo.


INTRODUÇÃO

O problema da agressividade na adolescência requer, cada vez mais, abordagens que se mostrem abrangentes. Tornou-se necessário compreender melhor suas causas mais diretas, bem como algumas variáveis que, em diferentes graus, contribuem para a manifestação de comportamentos agressivos. Em termos gerais, pode-se dizer que essa tem sido a proposta central do modelo elaborado por Crick & Dodge1, referente ao processamento das informações sociais em crianças e adolescentes agressivos.

O referido modelo postula que uma maior tendência para a adoção de comportamentos agressivos em situações de interação social vincula-se ao modo como o sujeito processa as informações no próprio contexto interpessoal. Processar as informações contextuais significa, nesse caso, perceber, interpretar e fazer uso de determinadas pistas sociais para gerar e adotar estratégias comportamentais específicas. Trata-se, portanto, de um modelo que contempla etapas diferenciadas em termos de processamento e, dessa forma, relaciona a manifestação do comportamento agressivo com deficiências específicas no tratamento dos dados sociais1.

Em termos mais explicativos, salienta-se que, de acordo com o modelo, verifica-se, num primeiro momento, uma codificação das pistas sociais. Dodge & Newman2 evidenciaram, por exemplo, o fato de que crianças com tendências agressivas mostravam-se menos eficazes no tocante à codificação das informações sociais. Conforme esse estudo, as crianças não-agressivas do grupo-controle demonstraram, em termos quantitativos, uma habilidade maior para perceber e identificar as informações que se fazem presentes num contexto interpessoal. Perceber e focalizar a atenção são mecanismos que servem para a consolidação de uma compreensão daquilo que, porventura, possa estar caracterizando uma circunstância de interação. Resultados semelhantes também foram encontrados por Shahinfar et al.3.

De acordo com esse modelo, uma segunda etapa diz respeito à interpretação. Nesse sentido, os dados sociais não seriam processados de forma isolada. Em outras palavras, esses dados são interpretados com base na ativação de estruturas cognitivas pré-existentes no sujeito. Pode-se, em termos ilustrativos, destacar os trabalhos de Dodge4 e Dodge & Tolmin5, pelos quais ficou, por exemplo, bem caracterizada a tendência de que crianças agressivas acabem gerando análises menos respaldadas pelos dados percebidos e mais influenciadas pelas experiências anteriores. Ou seja, a própria interpretação que um sujeito com tendências agressivas faz da situação prioriza os dados que podem ser trazidos à memória, em detrimento de algumas evidências mais imediatas. De forma complementar, Bickett et al.6 e Dodge & Somberg7 chamaram a atenção em suas pesquisas para o fato de que crianças e adolescentes agressivos atribuem mais hostilidade quanto às intenções alheias do que crianças e adolescentes não-agressivos. Dodge et al. também demonstraram que um evento ambíguo, tal como ser atingido por trás com uma bola, enquanto a criança passeia numa praça, tende a ser interpretado, por uma criança agressiva, como intencional8. A forma como os fatos são compreendidos e a integração das pistas sociais são, portanto, essenciais na compreensão dos aspectos associados à manifestação do comportamento agressivo.

Uma vez interpretada a situação, o modelo de processamento das informações sociais estabelece que o sujeito irá buscar respostas condizentes com a situação que acabou de ser vivenciada. Dessa forma, ocorre um processo gerativo no tocante aos diferentes procedimentos que supostamente mostram-se adequados ao contexto. Antes da decisão, ocorreria, portanto, uma verificação das alternativas referentes às ações que podem ser adotadas. A esse respeito, as pesquisas desenvolvidas por Lochman & Dodge9, bem como por Mize & Cox10, oferecem evidências relacionadas ao fato de que crianças e adolescentes agressivos acabam gerando um número menor de possíveis soluções diante de uma determinada situação de impasse. A capacidade para formular alternativas de resolução parece estar igualmente relacionada ao comportamento adotado, sendo que um número mais restrito de opções vislumbradas pode facilitar a adoção de estratégias agressivas. Conforme evidenciam outros estudos, crianças e adolescentes agressivos tendem a confiar mais na própria eficácia das estratégias agressivas, sendo que tais estratégias costumam ser referenciadas antes de quaisquer outras soluções no que diz respeito a uma situação hipotética de impasse11.

Por último, na fase de decisão, considera-se a própria funcionalidade das respostas geradas, sendo que a escolha vincula-se ao êxito ou ao fracasso em situações anteriores, além de estar atrelada à imagem que a criança e o adolescente têm de si mesmo. Dessa forma, o sujeito acabará procedendo de acordo com estratégias comportamentais que julga ser capaz de empregar com êxito. Crick & Dodge, ao compararem dois grupos, demonstraram que um grupo de crianças agressivas, aquelas que tendem a utilizar o comportamento agressivo de forma mais pró-ativa, julgou existir mais eficácia no emprego da agressão quando comparado a um grupo não-agressivo1. Outras pesquisas também evidenciaram que crianças e adolescentes agressivos esperam, em geral, menos resultados positivos quando consideram a possibilidade de valerem-se de atitudes pró-sociais em situações hipotéticas de impasse1.

Dodge et al.12 procuraram, de outro modo, realizar um estudo confirmatório sobre a validade do modelo, considerando as suas diferentes etapas e a consistência interna para as modalidades de processamento. Nesse trabalho, comprovou-se a multidimensionalidade do modelo e a sua capacidade preditiva para padrões de comportamentos agressivos com base em inventários preenchidos por professores. De um modo geral, percebe-se que o referido modelo ressalta algumas especificidades quanto à própria fenomenologia da interação social. Em termos mais sintéticos, as etapas que o perfazem são respectivamente as de codificação, interpretação, clarificação das metas, construção das respostas, decisão e atuação comportamental. Não há, por outro lado, uma preocupação em elucidar todas as possíveis causas envolvidas na manifestação da agressividade, mas tão-somente em explicitar os mecanismos cognitivos subjacentes que, em diferentes graus, podem contribuir para o agravamento de certas tendências. Afirmar que tais tendências possam mostrar-se mais ou menos acentuadas em função de um processamento diferenciado das informações sociais não equivale a postular que tais aspectos cognitivos sejam condições suficientes no que diz respeito à manifestação da agressividade13. Destaca-se também o fato de que, embora o desempenho nas referidas etapas de processamento possa apresentar comprometimentos diante da presença de sintomas psicóticos, relações mais diretas com outras capacidades cognitivas ou mesmo com os diferentes níveis de escolaridade não têm sido observadas1. Com base, portanto, no modelo destacado anteriormente, apresentamos um estudo contemplando diferentes aspectos relativos ao processamento das informações sociais em uma amostra de adolescentes em regime de privação de liberdade na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (FASE), no município de Porto Alegre. Este estudo partiu da hipótese de que adolescentes passíveis de serem classificados como agressivos apresentam diferenças no tocante a etapas específicas de processamento das informações sociais, quando comparados a grupo-controle.

MÉTODOS

Sujeitos

Trata-se de um estudo transversal controlado, em que um grupo de 29 adolescentes com histórico de comportamentos agressivos, cumprindo medida socioeducativa, foi comparado a um grupo-controle de 21 adolescentes, também do sexo masculino e sem histórico de comportamentos agressivos. Houve pareamento no que se refere à faixa etária dos grupos investigados.

No que diz respeito ao grupo de adolescentes da FASE, foram incluídos adolescentes que cometeram ato infracional envolvendo ameaça ou agressão física, com ou sem a utilização de arma de fogo ou qualquer objeto perfurante/cortante, e que, na data da avaliação, possuíam mais de 14 anos completos e menos de 17 anos (média, M = 15,13; desvio padrão, DP = 0,76). Embora tais atos não correspondam a uma categoria jurídico-penal específica, o cometimento dos mesmos foi, em cada um dos casos, confirmado por funcionários da instituição com acesso aos prontuários, sendo que essa amostra corresponde ao total de adolescentes que atenderam aos critérios de inclusão e que aceitaram participar do estudo.

Foram incluídos, no grupo-controle, adolescentes com mais de 14 anos e menos de 17 (M = 15,19; DP = 0,75), alunos de diferentes escolas públicas do município de Porto Alegre (quatro escolas estaduais e uma escola municipal), cujo histórico escolar não evidenciou nenhum registro do cometimento de ato agressivo dirigido a colegas ou professores ao longo da trajetória estudantil. A informação contida no histórico escolar foi obtida nas respectivas instituições de ensino, e os dados contidos no citado documento foram confirmados pelos pais ou responsáveis. Nos dois grupos, foram excluídos adolescentes analfabetos, bem como aqueles que apresentavam um quadro de transtorno psicótico sem outras especificações.

Instrumentos

Para avaliar um dos aspectos relacionados ao processamento das informações sociais nos dois grupos, ou seja, a interpretação das pistas sociais, foram utilizadas quatro fotos, cujo elevado grau de ambigüidade no que se refere às emoções expressas foi comprovado numa amostra aleatória de 125 pessoas. Nessa etapa, a seleção das fotos deu-se a partir da utilização de 10 fotos escolhidas pelos pesquisadores, sendo cinco de figuras masculinas e cinco de figuras femininas. O objetivo foi identificar quais fotos caracterizavam-se por possuir um maior índice de indeterminação no que se refere a qualquer emoção expressa através da face. Buscou-se, nessa etapa, apenas a confirmação de que as fotos eram neutras no que se refere à expressão de emoções.

Para avaliar os processos de gerar respostas e tomar decisões sobre a adoção das mesmas, utilizou-se uma narrativa envolvendo uma situação hipotética de impasse, cuja concisão e clareza foram verificadas em um teste com oito adolescentes privados de liberdade, com idades entre 14 e 16 anos, sendo que 100% destes afirmaram ter tido um total entendimento sobre a situação que estava sendo descrita, conseguindo reproduzir a história após tê-la escutado ou lido uma única vez (anexo 1).

A versão do Mini International Neuropsychiatric Interview - Brazilian Version 5.0.0 (MINI Plus) resultante dos estudos de Amorin14 foi utilizada para excluir os casos de transtorno psicótico sem outras especificações nas duas amostras. Utilizou-se, nesse caso, o módulo M do citado instrumento, formado por uma série de 24 questões que orientam a condução de uma entrevista semi-estruturada, baseada nos critérios diagnósticos do DSM-IV.

Procedimentos

Os procedimentos de avaliação dos adolescentes privados de liberdade ocorreram em quatro unidades específicas da FASE que abrigavam adolescentes do sexo masculino. A instituição concedeu salas para as referidas avaliações nas diferentes unidades contatadas. No caso do grupo-controle, as avaliações foram realizadas em salas de aula desocupadas, sendo que o acesso às mesmas foi permitido por membros da diretoria das escolas contatadas. Todos os avaliados e responsáveis assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, sendo que o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, por intermédio do ofício nº 700-03-CEP. Em todos os casos, a avaliação iniciou pela apresentação das fotos e sua respectiva classificação pelos avaliados, seguida de uma descrição da situação hipotética de impasse, e na seqüência eram feitas as perguntas constantes no módulo M do MINI Plus. Antes desse procedimento, esclarecia-se para os adolescentes que não existiam respostas certas ou erradas e que, caso as perguntas estivessem causando incômodo, seria possível desistir da avaliação. Em cada uma das fotos apresentadas, perguntava-se para o participante se ele achava que a pessoa da foto estava, de algum modo, demonstrando estar com raiva de alguém ou descontente com alguma coisa, solicitando-se que a resposta fosse apenas sim ou não. Essa pergunta foi feita, de forma invariável, tanto para os adolescentes do grupo principal como também para os adolescentes pertencentes ao grupo-controle. No que se refere à situação hipotética de impasse interpessoal, tão logo a mesma era descrita, pedia-se que o participante enumerasse todas as ações que ele adotaria para resolver o impasse descrito. A classificação das respostas foi realizada por um dos pesquisadores e baseou-se no fato das mesmas conterem ou não a descrição de uma estratégia envolvendo agressividade ou mesmo a ameaça de um comportamento agressivo para obter o objeto especificado no relato da situação (anexo 1). Como exemplo dessas mesmas respostas, pode-se citar afirmações tais como: "partiria para a briga"; "ameaçava dar um soco". Após a finalização das respostas, perguntava-se para o participante se ele tinha em mente mais alguma ação diante da situação descrita. Tanto as respostas geradas depois da apresentação das fotos como aquelas referentes às ações descritas pelo avaliado foram anotadas em folhas brancas separadas para cada um dos avaliados. Foram atribuídos escores variando de 0 a 4, relativos ao número de vezes em que houve atribuição de hostilidade para cada uma das fotos (respostas afirmativas), bem como escores relativos à quantidade de respostas geradas para a situação hipotética de impasse.

Análise estatística

O teste t de Student foi utilizado para comparar os escores de atribuição de hostilidade quanto às fotos apresentadas, bem como para comparar o número total de respostas mencionadas, independente do tipo de estratégia referida. Foi utilizado o método qui-quadrado para comparar o percentual de adolescentes com respostas agressivas e sem respostas agressivas nos dois grupos. Considerou-se, ainda, para a totalidade de indivíduos avaliados, o grau de correlação existente entre a quantidade de respostas geradas e os escores relativos à atribuição de hostilidade para as fotos a partir do índice de correlação de Pearson.

RESULTADOS

No caso dos adolescentes com histórico de adoção de comportamento agressivo (n = 29), a média dos escores obtidos foi de 2,93, e o desvio padrão foi de 0,80. Com os adolescentes do grupo-controle (n = 21), a média dos escores obtidos foi de 1,43, e o desvio padrão foi de 0,93.

De acordo com o teste t de Student para amostras independentes, considerando-se um nível de significância de 5%, verificou-se diferença estatisticamente significante entre as médias dos escores para atribuição de hostilidade às fotos entre os dois grupos pesquisados. Os valores obtidos foram: t = 6,14; gl = 48; e p <>

No que diz respeito à quantidade total de respostas geradas, a média de resposta geradas pelos adolescentes com histórico de adoção de comportamento agressivo foi de 2,14, e o desvio padrão foi de 0,52. A média de respostas geradas pelos adolescentes do grupo-controle foi de 2,67, e o desvio padrão foi de 1,11. De acordo com o teste t de Student para amostras independentes, considerando-se um nível de significância de 5%, não houve diferença estatisticamente significante entre as médias de respostas. Os valores obtidos foram: t = - 2,029; gl = 26,277; e p = 0,053.

No que se refere à presença de uma estratégia agressiva entre as respostas mencionadas pelos avaliados para uma situação hipotética de impasse interpessoal, foram obtidos os seguintes percentuais para os dois grupos: no grupo de adolescentes com histórico de adoção de comportamento agressivo, o percentual de avaliados que mencionou uma estratégia agressiva, entre outras, foi de aproximadamente 58,62% (17 adolescentes); no grupo-controle, o percentual de avaliados que mencionou uma estratégia agressiva, entre outras, foi de aproximadamente 9,52% (dois adolescentes). De acordo com o teste qui-quadrado, existe associação estatisticamente significante entre a presença de resposta agressiva e o grupo ao qual o indivíduo pertence (12,462 e p <>

Por último, no que diz respeito a uma correlação entre a tendência em atribuir hostilidade para as fotos e a quantidade total de respostas geradas pelos adolescentes de ambos os grupos, considerando-se um nível de significância de 5%, constatou-se a existência de uma correlação de Pearson negativa (r = - 0,306) e significante (p = 0,031), entre os escores para as duas variáveis.

DISCUSSÃO

O presente estudo buscou investigar aspectos da cognição social relacionados ao comportamento agressivo em adolescentes. Pesquisas anteriores já haviam evidenciado que, de fato, existem peculiaridades com relação ao modo como crianças e adolescentes privados de liberdade e passíveis de serem classificados como agressivos acabam percebendo e ponderando as informações sociais15. Este estudo focalizou apenas algumas etapas específicas desse processo em adolescentes privados de liberdade, segundo o modelo de processamento das informações sociais anteriormente descrito1, mais especificamente as etapas referentes à codificação e interpretação das pistas e as etapas referentes à construção e acesso às respostas, bem como a decisão sobre as mesmas.

O estudo realizado confirma achados de Bickett et al.6 e Dodge & Somberg7 referentes à atribuição de hostilidade no tocante às manifestações alheias por parte de crianças e adolescentes considerados agressivos. Conforme salienta Dodge16, uma série de estudos tem se mostrado convergente quanto a evidenciar essa tendência tanto em crianças como em adolescentes. A maioria desses estudos acabou por utilizar cenas completas, expostas em video tape e igualmente classificáveis como ambíguas. Um estudo realizado por Slaby & Guerra15 evidenciou, de um modo mais específico, existir uma tendência de atribuição de hostilidade por parte de adolescentes agressivos privados de liberdade em comparação com grupo-controle.

Destaca-se, nesse sentido, a necessidade de estudos longitudinais que possam investigar também os efeitos da privação de liberdade em adolescentes, no que se refere aos diferentes aspectos do processamento de informações sociais. Uma quantidade significativa de estudos revela diferenças a respeito do processamento de informações sociais em adolescentes com e sem história de manifestação de comportamentos agressivos1. Em contrapartida, também se faz necessária uma investigação sobre o próprio fato de que o tempo de privação de liberdade possa acentuar certas características de processamento. Tanto no presente estudo como no estudo de Slaby & Guerra15, ambos comparando adolescentes em tais condições com grupo-controle, não foram utilizados delineamentos longitudinais para explorar tais questões. Uma limitação desse tipo pode ser superada por estudos futuros nessa área.

Por outro lado, conforme enfatizam Crick & Dodge1, ainda não está claro o quanto a atribuição de hostilidade acaba ocasionando, por si só, prejuízos na competência social para crianças e adolescentes. No entanto, é possível suspeitar que existe uma estreita relação. De acordo com as pesquisas de Dodge & Somberg7, essa tendência se faz ainda mais presente em crianças, quando em situações em que se sentiram provocadas.

Uma outra questão investigada referia-se à quantidade total de soluções geradas nos dois grupos diante de uma situação hipotética de impasse interpessoal. Nesse caso, os adolescentes do sexo masculino, com idade entre 14 e 16 anos, privados de liberdade e com histórico de adoção de comportamento agressivo geraram, em média, um número menor de soluções diante de uma situação hipotética de impasse interpessoal do que os adolescentes do grupo-controle; porém, considerando o nível de significância estipulado, não houve diferenças. A não-confirmação, em termos estatísticos, de estudos anteriores voltados para o número total de respostas geradas poderia, no entanto, estar relacionada ao próprio tamanho da amostra.

Respostas classificadas como designando soluções agressivas para a situação também foram consideradas nessa comparação. Ou seja, respostas em que o avaliado afirmou que ameaçaria ou utilizaria o corpo, ou mesmo uma arma, como forma de retaliação diante da situação descrita. Nesse caso, tais achados corroboram pesquisas já realizadas por Lochman & Dodge9, bem como por Mize & Cox10. De modo ainda mais específico, Slaby & Guerra15 também evidenciaram uma maior propensão de adolescentes privados de liberdade e considerados agressivos para eleger soluções envolvendo retaliação diante de uma situação em que se sentiram provocados.

De um modo geral, estudos desse tipo evidenciam uma dificuldade apresentada por crianças e adolescentes agressivos em solucionar problemas relativos a situações sociais de impasse ou conflito. Conforme destacam alguns autores17,18, o trabalho sistemático, no que se refere a um gradual desenvolvimento da capacidade pare resolver problemas sociais, tem se mostrado eficaz para o tratamento da agressividade em crianças e adolescentes.

A recorrência a um comportamento considerado agressivo não foi citada por todos os adolescentes do grupo principal e, ao mesmo tempo, chegou a ser citada por alguns poucos adolescentes do grupo-controle. Por outro lado, com base nos dados coletados, é perfeitamente possível constatar a diferença nos dois grupos. É possível, dessa forma, entender que os números podem estar refletindo uma tendência que se encontra em concordância com pesquisas anteriores, ainda que, conforme salientado anteriormente, sejam necessários estudos longitudinais envolvendo o processamento de informações sociais em adolescentes privados de liberdade, para uma melhor compreensão desses mesmos achados.

Um aspecto da presente pesquisa, no que se refere à convergência dos métodos elaborados e, portanto, dos dados obtidos, é o fato de que, a partir deles, foi possível constatar uma correlação negativa e estatisticamente significativa entre os critérios atribuição de hostilidade e quantidade total de respostas geradas, referenciando ou não estratégias agressivas. Dito de outro modo, o tratamento estatístico da amostra total revelou que a tendência em atribuir hostilidade para expressões faciais ambíguas mostrou-se, neste estudo, correlacionada com uma menor propensão para gerar soluções diante de uma situação de impasse, independente dos adolescentes avaliados estarem ou não em situação de privação de liberdade. Seria prematuro fazer generalizações com base nos números obtidos; no entanto, os dados explicitam que aspectos distintos da cognição social podem estar atrelados. Até o presente momento, não foram realizados estudos que pudessem confirmar essa hipótese para uma amostra heterogênea. O índice de correlação destacado pode servir tão-somente para lançar hipóteses para pesquisas futuras sobre uma estreita e verificável inter-relação quanto a essas etapas do processamento das informações sociais.

O foco deste estudo foi, conforme já salientado, o próprio processamento das informações sociais por parte desses adolescentes. Diante das diferenças encontradas, é possível constatar que tratamentos mais diretivos, cujo foco recaia sobre as próprias habilidades sociais dos adolescentes, podem mostrar-se adequados. Nesses termos, embora este estudo não tenha se voltado para a questão do tratamento clínico com adolescentes agressivos, os resultados alcançados podem subsidiar a proposição de novos programas de intervenção.

REFERÊNCIAS

1. Crick NR, Dodge KA. A review and reformulation of social information-processing mechanisms in children's social adjustment. Psychological Bulletin. 1994;115:74-101.

2. Dodge KA, Newman JP. Biased decision making processes in aggressive boys. J Abnorm Psychol. 1981;90:375-9.

3. Shahinfar A, Kupersmidt JB, Matza LS. The relation between exposure to violence and social information processing among incarcerated adolescents. J Abnorm Psychol. 2001;110:136-41.

4. Dodge KA. Social cognition and children's aggressive behavior. Child Dev. 1980;51:162-70.

5. Dodge KA, Tomlin AM. Utilization of self-schemas as a mechanism of interpretational bias in aggressive children. Social Cognition. 1987;5:280-300.

6. Bickett LR, Milich R, Brown RT. Attributional styles of aggressive boys and their mothers. J Abnorm Child Psychol. 1996;24:457-72.

7. Dodge KA, Somberg DR. Hostile attributional biases among aggressive boys are exacerbated under conditions of threats to the self. Child Dev. 1987;58:213-24.

8. Flavell JH, Miller PH, Miller SA. Desenvolvimento Cognitivo. Porto Alegre: Artmed; 1999.

9. Lochman JE, Dodge KA. Social cognitive processes of severely violent, moderately aggressive and nonaggressive boys. J Consult Clin Psychol. 1994;62:366-74.

10. Mize J, Cox RA. Social knowledge and social competence: number and quality of strategies as predictors of peer behavior. J Genet Psychol. 1990;151:117-27.

11. Richard BA, Dodge KA. Social maladjustment and problem solving in school-aged children. J Consult Clin Psychol. 1982;50:226-33.

12. Dodge KA, Laird R, Lochman, JE, Zelli A, Conduct Problems Prevention Research Group. Multidimensional latent-construct analysis of children's social information processing patterns: correlations with aggressive behavior problems. Psychol Assess. 2002;14:60-73.

13. Dodge KA, Pettit GS. A biopsychosocial model of the development of chronic conduct problems in adolescence. Dev Psychol. 2003;39:349-71.

14. Amorin P. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): validação de entrevista breve para diagnóstico de transtornos mentais. Rev Bras Psiquiatr. 2000;22:106-15.

15. Slaby GR, Guerra NG. Cognitive mediators of aggression in adolescents offenders: 1. Assess Dev Psychol. 1988;24:580-8.

16. Dodge KA. Social-cognitive mechanisms in the development of conduct disorder and depression. Annu Rev Psychol. 1993;44:559-84.

17. Nangle DW, Erdley CA, Carpenter EM, Newman JE. Social skills training as a treatment for aggressive children and adolescents: a developmental-clinical integration. Aggression Violent Behav. 2002;7:169-99.

18. Fraser MW, Galinsky MJ, Smokowski PR, et al. Social information-processing skills training to promote social competence and prevent aggressive behavior in the third grades. J Consult Clin Psychol. 2005;73:1045-55.

Correspondência:
Dr. Silvio José Lemos de Vasconcellos
Av. Protásio Alves, 770/33
CEP 90410-004 - Porto Alegre, RS
E-mail: silviojlvasco@hotmail.com